quarta-feira, novembro 27

página 73, as primeiras águas debaixo


água na lua

o que te sobra até o infinito é um mundo

iniciação às coisas graves
contemporâneas da infância

chove o sumiço pelo asfalto
imaginário, mito tão antigo
fotografia e gestos de fala nos móveis
conheci, por algum verbo? estima
mediação do mito

territórios da linha da mão
datilografia bastante muda, não posso
te dizer o que te ajude
(medida e plano de imagens
para ver a neve
imaginária)

(os avós, mediadores
do mito para qualquer
infante)

esta ética é insuficiente
as águas entram na língua afobada
como nomear esta desorganização do tempo,
história? histeria?

o nome próprio passivo de explorações descontínuas
pequena agressão, noite plena, nome próprio, simulação

sou bastarda nas coisas boas dos homens
o amparo é o mesmo abismo
a ficção faz o retorno do que difere
abre uma facção de ilegitimidades
por onde apenas respira o que segue
vivo podendo vida
apenas assim
fetiche de uma língua prestidigitadora
mangue bambo bisavôs renúncia cremação

as crianças continuam marchando rumo
ao acidente
pés em prumo, cabeça ereta, olhos no medo
a história espiralada, sombrias
bordas, vento e testemunha
de uma febre em segredo
inflamada
eternidade

é impossível ser sincera?
tenta
tenta mais uma vez
absolutamente
impossível

a sinceridade é um ponto desforme
impalpável, amputado

cheiro uma tangerina vermelha ao ponto
das desistências
toda ideia esbarra na sua própria simplicidade
não inocente

manteiga
mantejoula
subúrbio
barbitúricos
néctar
da página
boca oca
oca oca
onde morar
sal a pique
barro
rede
exclusões
e balanços

depois, me desculpe: cálamo
por toda parte o desperdício
da rima
das malemolentes fugas
afluentes

esta tarde altiva terça-feira qualquer outra
na palavra
um mal alvo, boneca de úlcera, lugar-comum
literatura
para nenhuma
literatura apenas nome extensivo
dormente, quase
tem gente posando para o retrato
(retrátil, diz)
apenas ligeiramente fresco
graça e bonança
bem edificadas
literatura

um urro
dentro das forcas
põe a língua cerrada para fora

o que te sobra até o infinito é um mundo compromisso branco
branco de pálido, diz
sim, opaco

chove sobre o termômetro da obra
a tangerina repousa sob a nuca
nunca
é o que importa
taça cintilante, adstringências, negócio
é importante notar a tentativa esgarçada
de sinceridade nesta hora
sem escrita

desculpe se este mais sincero te soa prenda fácil
estão ouvindo os risinhos? as coxias?
estarei bêbada em quaisquer segundos
pronta para o mergulho, imagem
pobre e frágil, em estado de exclusão
cadente obviedade
calo-me

e você também espera
esta pessoa que espera
o nome disso é cotidiano

tangerina amarela cadillac obsceno (não) vinho branco praça da república
coisas comuns
ao rés dos edifícios
e das pílulas políticas
dos meninos enjaulados
numa beleza já sem
idade

um coração picadinho
e arroz com alecrim
bastam

congratule-se de não estar assim como nós todos, esperando
sem esperança

ou de saber ou é claro achar que sabe
o que espera

sou uma sujeita romântica

não deixo nada
pela metade