sexta-feira, junho 17

depois do deus selvagem

pequenina desgraça contada, esperada, lidada – posteriormente a nutrir outras desgraças adjacentes, mau azar reinante, pondera, prepondera
acudiu que todo gesto, as superfícies emancipatórias eram senões de uma obra transfigurada, menor, trágica
o carro pararia de funcionar tanto quanto uma criança seria acolhida por uma desafortunada
os motores enfim cessam todos
a bruta espera de um conceito e o desespero de olhos alucinados, os vizinhos canibais: os apartamentos cobertos de culpas, quebrou, eu me desapontava, era a quarta ou sexta vez que acusava problemas o carro? largou a bolsa ao chão:
em um minuto derrisório, derrapante
em vão, era a sexta vez
contos de fada, sabe? reaparece de um ângulo absurdo, surge um homenzinho nu, aguarda-me do outro lado da rua
rápido está colado ao vidro, foi a bateria, está me oferecendo ajuda?
o resplendor de estar sempre munida de óculos escuros
encaro minhas pernas e julgo que não, a padaria logo ali ao lado
ele me pergunta o que quero dizer, o que fazer: de onde venho
perco-me, saio do automóvel, respondo, ele oferece telefones, dissuadir os maus costumes
perto da guarita, acrescento
sem dúvidas, dissuadir
o terror dos mascadores de chicletes, escuto um apartamento
britadeiras não querem copos d’água
uma enorme quantidade de lenços de papel
um prato típico, quente, um minuto ou menos
sairia, atropelada, atrofiada, do espaço, agradeci
com distâncias, o que poderia pensar enquanto tomava assustada
um café? pequeninos suicídios, que se desenrolassem tão ternos como aquele acidente
já cometidos, aguardasse outro homem, outro nu, um técnico, treinaríamos
o mesmo problema
acomode-se nesta minúscula pedra, eu sei, é um excesso de dimensão do pequeno
eu não me sento no chão, o trânsito enjoava
havia um sacerdócio implícito nas pernas
turvas desgraças imensas, placidamente de ódio
adoraria o reencontro com alguma espécie de plasma e valsa
não, valsa não, disse da imaterialidade delas, são tão volúveis, tão impossíveis
um homem que recordasse
largou a bolsa ao chão, largou inclusive os sapatos, de que seriam
férteis os sapatos agora? repetidamente comeu todos os bombons
descongestionava uma passagem, desfazia peripécias, ah chocolates
acidentes sanguessugas, chocolares
a seguir, a atmosfera de um poço
o horário da tarde, requinte impaciente de quem não é
futuro, aturdido, as bebedeiras depois
inexplicável quando passa, você não imagina, as absorções
suavemente uma mulher se roça em um cão
é a súplica da tarde, súplica de que haverá invasão no país
para abrir avenidas a soldados e cacetetes inclusive adagas
lucro dos sintomas
a prenha da degola, a casta
escuridão

quinta-feira, junho 2

al berto, roubado para o contágio

Diante de si mesmo, imobilizado, os animais da noite aproximam-se e falam-lhe baixinho. a terra abre-se à subtilidade dos fogos, gera-se um novo corpo no princípio imemorial do ouro e das geadas.


os animais são formas etéreas coladas à pele. da humilde casa que habitamos pouco resta. as urzes irrompem, recortam-se no escuro, e as sombras dos frutos em contraluz formam geometrias e constelações. um peixe brilha sobre as pedras, morto.



enumero por fim os alimentos, o olho, o círculo das chamas, a luz dos dias sem ninguém.



ele fala com os animais da noite, segreda o que em voz alta não é possível dizer. prepara o lume, solta as aves, adormece em cima do mar.



silhuetas sentadas à fogueira da noite escutam o silêncio sibilante dos astros. crepitam insectos, vozes mágicas.


vamos pelas dunas da manhã, nómadas onde um rosto nos recorda o inaudível canto da noite que fomos: a fresca Alba das galáxias.




Al Berto, de “Meditação em S. Torpes”, 1979